terça-feira, 10 de janeiro de 2012

...Eu sei que o mundo é pior.

   Dia desses estava sentado na praça mais bonita da minha cidade. Sozinho. Eu sei lá, às vezes faço dessas. Nem ligo, gosto de ter meu momento sozinho, porquanto às vezes prefiro engolir e encarar o silêncio do que ter a insegurança de ter alguém que não confio ao meu lado. Pelo menos eu sei que a minha solidão é sincera. É que ultimamente eu acho muito difícil poder confiar em alguém, mas deixa esse papo pra lá.
   Eu e meu violão. Final de tarde, e eu ali, ocupando o banco da praça, embaixo das árvores mais elegantes que eu teria visto até então. Tenho essa mania de observar as pessoas. Aprendo com isso. Esqueço o barulho das ruas, dos carros passando em alta velocidade. Esqueço do barulho irritante da construção ao lado, mas lembro do som do vento balançando as árvores, do canto e assovio dos pássaros e dos gritos contagiantes das crianças que ali no parquinho brincam. É claro que também não esqueço da melodia do meu violão. Mais Uma Vez, Renato Russo. Encerrada a canção. Tomei um gole de água e observei um casal passar de mãos entrelaçadas.
   Amor. Sim, o amor. Quê? Amor? É, o amor. Será? Não sei.
   Voltei a observar o casal. Não mais de mão entralaçadas, agora estavam de costas para mim, caminhando. As mãos dele nas costas dela, e as dela na dele.
   O casal me fez lembrar do meu romance de vinte e por ali anos. Certo, vinte e um. O amor que mais me marcou. Que nada, essa história de que amor não se sente é pura mentira. Se não fosse verdade, não me marcaria.
   Ela era morena. Nem alta, nem baixa, poucos centímetros a menos do que eu. Cabelo comprido, olhos castanhos, brilhantes e lindos. Era dois anos mais nova. Sabia ser meiga e brava. Acho que gostava mais ainda dela quando ficava zangada comigo. Não tinha preço ver o seu rosto se contrair e criar faces inimagináveis no momento de sua fúria. Não conseguia me segurar, tascava-lhe um beijo, dizia que a amava e ficava tudo certo. Ah, não posso esquecer do seu olhar. Deixava-me fascinado, não podia olhar por muito tempo porque era capaz de eu perder as estribeiras. É sério, ela falava com os olhos, de tão profundos.
   Ela foi embora. Não por mim, nem por ela, mas pelo tempo e pela distância. Estava agora há quilômetros de mim. País diferente do meu, não éramos mais sinônimos. Agora, antônimos. Era uma bela chica, muy guapa, como diria meu professor de espanhol.
   Tudo isso me fez pensar no amor.
   Amor.
   Eu sei que amor é bem mais do que mãos entrelaçadas. Eu sei porque eu vivi um. E não pense que amor é só o que há de melhor.
   Eu aprendi o que é amor quando eu pude sentir ele em mim. Puro e sincero. Borboletas na barriga foi a primeira sensação que eu tive, no começo do namoro. Ah, elas não iam embora nunca, e como incomodavam. Com o tempo eu sei que foi diminuindo, porquanto a certeza de que eu a veria era mais certa. Não posso negar que elas também não deixaram de sumir completamente, pois quando ficava muito tempo sem vê-la, elas voltavam no momento em que eu matava a tamanha saudade daquela menina dos olhos mais lindos do mundo.
   Recordo bem dos nossos momentos no parque, e lembro muito bem do jeito como ela sentava e me olhava. Apaixonada. Há muitos anos ela estava aqui no banco, sentada ao meu lado. Hoje, se eu olhar para o lado, o que verei é apenas a sombra do braço do meu violão. Risadas, brincadeiras e dores de barriga de tanto rir. Era isso que ela me proporcionava, a garota mais linda que eu conheci. Quero deixar bem claro que ela era ainda mais linda de alma. É sério, mesmo brava como era. Era parceira, mas tinha ciúme. Muito ciúme. Ah, isso me deixa com nostalgia. Ciúme que me incomodava, mas ah, que saudade. Saudade de lembrar que ela se importava comigo e não queria me ver longe. Tinha ciúme das garotas que eu conversava.
   Amor era bem mais que isso. Amor era ficar as noites em claro quando nós discutíamos. Era ficar olhando pro teto, mesmo que no escuro, e pensando aonde eu tinha errado. Amor era querer ligar pra ela, mesmo estando brigados e discutidos e magoados e tristes. Amor era querer abraçá-la, dizer o quanto eu a amava e dizer: Está tudo bem, é só mais uma briga, tudo ficará bem. Já está tudo bem, me abraça, vamos rir.
   Amor era não ligar pra ela quando ela estava com as amigas, mas pensar nela em todo-o-segundo-que-passava. Era estar com meus amigos e imaginar como seria legal se ela estivesse ali, junto com as namoradas dos meus amigos. Amor eu sentia quando ela escutava as músicas que odiava, só porque eu gostava. Amor era compartilhar gostos, era dividir as tristezas e multiplicar as felicidades. Amor era quando eu apresentava a minha banda preferida pra ela. Amor era as influências. Amor era quando eu via ela jogando no meu vídeo game. Abri um sorriso lembrando do seu jeito engraçado. Gritava, esperneava sempre que perdia de mim e me chamava de bobo. Então eu a beijava. Amor era quando ela tinha paixão de me ver tocando violão. Eu não a via, ela tinha vergonha. O máximo que fazia era segurar o violão na mão e me provocar, mas ela sempre pedia para eu tocar mais uma música, e escutava, envolvida com toda a melodia e apaixonada pela minha voz. Amor eram os livros que a gente gostava.
   Ela era diferente e bem igual a mim. E eu gostava disso.
   Amor era querer apresentá-la pros meus amigos. Amor era ver ela sem maquiagem e de pijama, com o cabelo-acordei-agora-e-para-de-me-olhar. Ela mal sabia que ficava mais linda ainda sem maquiagem. Os olhos brilhavam mais.
  Amor era compartilhar valores. Com ela eu aprendi que a vida muito mais valiosa é nas pequenas coisas. Simplicidade. Preferia um piquenique no verão, à noite, deitado numa toalha e observando estrelas, com ela, a um jantar romântico num restaurante chique. A companhia dela já me deixava fascinado, fosse o lugar que fosse.
   Amor eu sentia quando tinha medo de perdê-la. Amor vibrante e gigante. Angústia, agonia, tudo parte do meu amor.
   Amor era simplesmente estar na companhia dela.
   E ela se foi.
   Saudade.
   Nostalgia.
  Volto pro meu violão. Mais uma música de Renato Russo, A Cruz e a Espada. Encerrada a canção. Levanto a cabeça para a praça e incrível! Olha! Ali está ela! A menina morena de olhos castanhos mais lindos do mundo... Mas ah, não tenho coragem de falar com ela. O que faz aqui? Estou curioso, inquieto. Minhas mãos começam a suar. Quero falar com ela, quero abraçá-la. Será que devo?
   O casal de antes. Sim, quero também entrelaçar a mão minha na dela. Quero colocar a mão nas costas dela e ter a dela nas minhas costas.
   Hey!, eu grito.
   Ela olha, e o brilho dos olhos dela quase me cegam.
   Depois de um tempo parada, ela está vindo em minha direção. Chega perto. Os dois se olham, e a única coisa que conseguimos fazer naquele momento é abrir um sorriso. De saudade e sentimento, é claro. Eu sei que na cabeça dela passou um filme de tudo o que eu narrei, porque na minha mente foi exatamente o que aconteceu. Ah, vou abraçá-la. O desfecho dessa história eu não saberei.
   A gente aprende o que é amor quando vivemos um.
   Sem amor eu sei que o mundo é pior.