sábado, 24 de dezembro de 2011

Reflita.

    "Estou aprendendo a me perdoar com mais freqüência. A não exigir constantemente o melhor, a perfeição. Por longos anos exerci o papel de censor de mim mesmo. Com um persistente e severo olhar de juiz, sentenciava quando me entendia merecedor de alguma sanção. Hoje sei que é um método que paralisa, ao invés de estimular o crescimento pessoal. A crítica em excesso não nos permite ver que uma ação corresponde simplesmente a um determinado estado emocional. E que esse estado muitas vezes obedece a impulsos ou desejos que não podem ser controlados por nós. a falsa noção de que estamos invariavelmente no comando acaba gerando esse tipo de equívoco. Ver-se com mais benevolência pode ser a melhor maneira para mudar uma relação revestida pela seriedade e rigidez.
    É certo que a existência de um olhar analítico mínimo ajuda muito quando queremos quebrar alguns paradigmas. É comum encontrarmos pessoas que professam as mesmas ideias por toda uma vida e se orgulham disso. Sempre fui e sempre serei assim, dizem, com certa empáfia, todos aqueles que se ancoram em certezas absolutas. Felizmente a vida se encarrega de vergar-lhes a espinha. Muitas vezes essa ruptura se dá a partir de um acontecimento trágico, colocando outra perspectiva naquilo que parecia intocável. É preciso observar atentamente o que acontece conosco para não nos equivocarmos tanto. Ou para não acreditar tão cegamente em nossas próprias decisões. O que nos obriga a um constante exame das razões que estão por trás de cada atitude tomada.
    Como nos lembra o grande Fernando Pessoa, “não julgues ninguém, porque não vês os motivos e sim os atos”. As razões, próprias e alheias, sempre nos escapam. Somos exímios trapaceiros  quando precisamos nos autoproteger. Colocar o dedo em riste, independente da direção para onde ele aponta, não costuma dar bons resultados. A severidade engessa o comportamento, tornando-nos previsíveis aos olhos alheios. Antes de proferir sentenças definitivas, respire duas vezes. E observe, experiência a que nos furtamos tão seguidamente, pois o que se costuma descobrir nesses exames de consciência nem sempre é agradável.
    Há vezes em que me sinto combalido depois dessas exaustivas análises. Mas o maior ganho é que se pode estabelecer uma quebra no nosso padrão de comportamento. Quase nada é o que parece ser. Ou, quando é, revela-se apenas como uma possibilidade entra tantas outras. Clareie-se outro foco e pronto: como é que não vimos isso antes? Tanto a dor quando a alegria nos comprometem de tal forma que dificilmente conseguimos vencer o torpor que esses estados emocionais imprimem em nossa alma. Recusamo-nos a perceber o provisório que se esconde em cada situação, colocando nelas um carimbo definitivo.
    Reagimos com desconfiança diante da afirmação de que sofrer pode der uma questão de escolha pessoal. Mas em certo sentido é assim mesmo. Quando temos em nós a possibilidade da reflexão e a disponibilidade para bons e verdadeiros encontros, não é tão difícil mapear áreas desabitadas dentro de nós. Isso geralmente acaba por nos fornecer conforto quando tudo parece repleto de sombras.
    O perdão não se limita a uma aceitação tácita do que somos. Não dispensa o senso crítico e muito menos a frustração. O que ele promove é um olhar mais complacente sobre as causas que nos levaram a agir de determinada maneira numa circunstância específica. Não precisamos ser algozes de nós mesmos. Muito menos vítimas. Um bom roteiro de vida para a maturidade costuma incluir possibilidade de errar. Não existem rascunhos sem borrões. E muito menos alguém que já nasça em sua versão definitiva. Nossa humanidade se funda justamente aqui, na coragem de ir tateando no escuro em busca de uma réstia de luz que possa iluminar o rosto. Só assim conheceremos nossas feições."

Gilmar Marcílio, Pioneiro, 25/12/11.

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