domingo, 3 de julho de 2011

Anjo de Quatro Patas.

           Foi num desses dias de inverno. Ou de outono, quem sabe. Não me recordo muito bem, mas foi numa estação fria do ano. O dia estava lindo. Típico dia de friagem que todo o gaúcho gosta, com sol. Excluindo, óbvio, o fato de estar ventando muito.
Por um momento esqueci-me dos meus compromissos. Estendi uma toalha de banho no chão e me dei por sentar no gramado de minha casa, frente às árvores e provavelmente embaixo de uma. O vento era gélido e os meus pensamentos continuavam vagando em minha mente – como sempre. Puxei meu livro de minha sacola azul marinho. De Volta para Casa, de John Grogan. Tirei o marca página que cobria a folha, 237. Prossegui a leitura.
Passaram-se cinco minutos. Fechei os olhos, fazendo de minha mente um ponto de reflexão. Sem intenção alguma, peguei no sono. Estava cansada demais. Na noite anterior, ocupei o horário de carga de dormir para dedicar-me ao estudo. Senti uma coceira na minha bochecha esquerda. Pensei que fosse só uma sensação, até que novamente a comichão se fez presente. Abri os olhos. Era o meu amigo de quatro patas.
Meu cachorro. Acariciei-o, passando a mão pelo seu pelo esbranquiçado, mais parecido com neve do que qualquer outra coisa. Meu urso polar particular. Instantes após, ele deitou-se sobre o chão e senti o seu focinho acomodando-se sobre minha perna direita. Olhei para ele, e ele imediatamente fixou os seus olhos em mim. Não moveu nem uma parte do seu corpo senão o rabo. Ele acenava, e acredito eu que era de felicidade. Sim, arrisco dizer que a minha companhia alimentava suas alegrias e de fato, meu canino, é um dos poucos seres que posso dizer isso, pois eu tenho a certeza de que o sentimento é totalmente recíproco.
Voltei a ler. Os olhos nas linhas tortas do livro, e o pensamento, agora, no meu animal. Estava sentindo a sua falta. Não era normal que ele não me acompanhasse, para qualquer lugar que fosse pela minha casa.
Fechei o livro, já não consegui mais concentrar-me. Esqueci de marcar a página que eu havia parado de ler, provavelmente próximas às poucas que eu tenha lido no momento, porque se bem me lembro peguei no sono muito breve.
Pensei no convívio com meu canino. Ainda posso lembrar do dia em que o vi pela primeira vez. Quando faleceu meu cachorro amigo inseparável, encontrei-me em estado de choque e um tanto quanto triste. Eu tinha nove anos e havia perdido uma parte de mim. É, uma parte, porque todos os seres que fazem parte de minha vida, automaticamente, são parte de mim. E meu anjo de quatro patas era uma parte muito grande. Foi difícil superar a sua perda.
Foi no mesmo dia de sua despedida que tive uma surpresa. Meu pai, ao contar sobre o que havia acontecido, disse-me para ir até o carro, pois nele teria um presente “muito especial”- nas palavras que ele utilizou - para mim. Fui até lá, abri a porta do carro. No chão do veículo, pude ver um filhotinho de cachorro. Akita Inu, cachorro sagrado do Japão, minha raça preferida. Parecia uma bolinha de neve, com o focinho totalmente de cor preta. Peguei-o no colo, tentando tomar as minhas dores pelo meu animal falecido. A partir daquele dia, a afeição que eu tive antes com o meu animal, se fez presente com o filhotinho.
Até hoje esse sentimento se faz presente em mim. Tenho demasiado amor por ele, e sei que ele por mim. Em tardes de trabalho, ele está ao meu lado, no meu quarto, fazendo-me companhia. Quando estou lendo em frente à lareira, ele também se faz presente. Segue-me quando caminho pelo jardim de casa. Quando ando pelo gramado, ele aparece por trás de mim e me surpreende com uma bela lambida na minha mão – sempre na esquerda – para que eu note a sua presença. E é assim toda a vez. Faz parte da família, é considerado membro, e sei que ele a mim também considera.
Pensei no quão grande é o amor que o cão tem por seu dono. Incrível. O canino pode fazer coisas erradas, fugir, latir em hora desapropriada, rasgar uma meia, estragar um chinelo, que, ao ser xingado, o sentimento dele por você continuará sendo o mesmo. Minto. O sentimento será ainda maior. Mesmo se você xingá-lo, após você voltar da escola, trabalho ou seja lá de que local for, ele vai estar lhe esperando. Sim, lá estará ele, na varanda da casa, e acenando o rabo de forma muito rápida quando ele visualizar você. Agora pense por um momento em quantas pessoas fazem isso quando brigam com você.
Refleti. O cachorro é o maior exemplo de fidelidade para o mundo. Exemplo de amor, de companhia, de compreensão e sinceridade. De simplicidade, de beleza interna. Deveria ser o padrão base de todo o ser humano. Mas não é. Por isso existem os cachorros, que podem ensinar às pessoas tudo o que elas de boas podem ser. São os anjos de quatro patas. Sim, anjos existem. Pode parecer clichê, mas digo que sim. Alma puramente espiritual e dotada de personalidade própria. Animal virtuoso e formoso. São os caninos. São os que nunca vão nos abandonar.
Pensei comigo mesmo: até hoje, o cachorro é o animal mais amigo do homem que eu conheço. E que creio que possa existir. Fiel, leal, sempre contente, alegre, carinhoso. É uma sorte eles existirem no mundo.
Voltei ao momento e me encontrei ainda sentada embaixo da árvore. Fiquei observando meu cachorro debruçado em mim. Ao mesmo tempo em que o olhava, pensava em tudo. Por um instante quis que ele fosse uma pessoa, porque sua sintonia comigo era muito grande. Logo após descartei essa possibilidade, pois me atinei para o fato de que eu sabia que, como um ser humano, ele sabia tudo o que estava acontecendo. E, aliás, eu gostava de ser amiga de um canino. Estava ficando cada vez mais frio. Recolhi meu livro, apanhando a minha sacola e dentro dela a minha toalha. Levantei-me, o vento estava forte e muito gelado. Meu animal de estimação ficou observando-me entrar em casa até o momento em que escutara o barulho da chave dando um giro na maçaneta. Pude ver que então ele se acomodou ao sol. Eu, naquele momento, com grande sorriso no rosto, pude com certeza dizer para mim mesmo, em pensamentos, que eu não deveria queixar-me nunca da falta de um amigo enquanto tivesse o meu canino por perto de mim. Guardei meu livro na prateleira e me pus na cozinha para fazer-me um chá.
"Dê o seu coração para ele, e ele lhe dará o dele. De quantas pessoas você pode falar isto? Quantas pessoas fazem você se sentir raro, puro e especial? Quantas pessoas fazem você se sentir extraordinário?" - John Grogan.

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